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Data da publicação: 10/03/2023

Elton Alisson | Agência FAPESP – Desde que surgiu, no final de 2022, o ChatGPT tem gerado preocupação entre os educadores. Isso porque a ferramenta de inteligência artificial capaz de dialogar, escrever textos em diferentes estilos, fazer cálculos e responder perguntas de modo natural pode ser usada indevidamente por estudantes para elaborar redações e realizar lições e trabalhos escolares, por exemplo, burlando o processo de aprendizagem.

Porém, em vez de ser usado meramente como um oráculo ou vidente, o robô virtual (chatbot) pode ser empregado de outras maneiras mais inteligentes e se tornar um aliado no ensino, avalia Seiji Isotani, professor do Instituto de Computação e de Ciências Matemáticas da Universidade de São Paulo (ICMC-USP), campus de São Carlos, e professor visitante da Faculdade de Educação da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

“O ChatGPT tem sido usado como um espécie de vidente, para dar respostas a perguntas. Essa aplicação é questionável no processo de ensino e aprendizagem porque destrói algo fundamental para a criatividade humana que é a tomada de decisões corretas e de forma consciente. Contudo, essa ferramenta de inteligência artificial pode ser utilizada como uma geradora de insights, ou seja, de novos caminhos para a resolução de um problema”, disse Isotani durante palestra em um evento on-line promovido pelo ICMC-USP em fevereiro.

Em vez de pedir ao ChatGPT para resolver e dar a resposta final para um problema de matemática que não está conseguindo entender, por exemplo, um estudante de ensino médio pode solicitar ao agente conversacional que explique o passo a passo para solucioná-lo, o que é fundamental no processo de ensino-aprendizagem, apontou Isotani.

“O ChatGPT pode ser usado como um oráculo para tentar ajudar e fornecer o que chamamos de scaffold, ou seja, o suporte para que o aluno consiga aprender e avançar”, explicou o pesquisador, que tem realizado, com apoio da FAPESP, pesquisas voltadas ao desenvolvimento e aplicação de técnicas de computação para apoiar e transformar as atividades de ensino e aprendizagem.

“Se mesmo com a ajuda de professores e tutores um aluno não está conseguindo entender e resolver uma equação matemática, por exemplo, a ferramenta pode ser aplicada para ajudá-lo por meio de exemplos trabalhados”, disse.

Outra possibilidade de aplicação do ChatGPT na educação é como agregador de conhecimento, indicou o pesquisador. O agente conversacional pode permitir fazer conexões e ajudar os estudantes a processar a imensa quantidade de informações disponíveis hoje, ajudando a construir significados.

“Podemos pensar o ChatGPT como um learning companion, ou seja, um companheiro de aprendizagem ou um tutor do estudante que vai ajudá-lo a processar as informações e trocar ideias com ele. Dessa forma, ele passa atuar não mais como um oráculo ou vidente, mas como um parceiro para a construção de conhecimento”, afirmou.

Esses agentes pedagógicos, que são pequenos avatares que interagem com os estudantes, têm sido alvo de estudos na área de sistemas inteligentes há mais de três décadas. Com o surgimento do ChatGPT será possível elevá-los a um novo patamar, estimou Isotani.

O ChatGPT pode pegar a transcrição da fala de uma criança com dificuldade de aprendizagem e processá-la para um agente pedagógico. Dessa forma, essa ferramenta pode começar a interagir de forma mais eficiente, com o intuito de resolver problemas de crianças com discalculia (dificuldade com atividades relacionadas à matemática) ou necessidades especiais, por exemplo, que precisam de ajuda no processo de aprendizagem e muitas vezes não dispõem de suporte em sala de aula ou em casa, defendeu o pesquisador.

“Uma criança com uma deficiência cognitiva grave precisa de ajuda a todo o momento quando está tentando aprender alguma coisa. E não há recursos humanos suficientes para ajudar todos esses alunos no tempo que eles precisam. O ChatGPT pode atuar como um remediador nesse processo”, disse Isotani.

O pesquisador pondera que isso não significa que o ChatGPT substituirá o professor e que os alunos serão dependentes da ferramenta o tempo todo, mas que poderão recorrer ao agente conversacional sempre que precisarem de alguém para ajudá-lo.

“Precisamos entender quais são os desafios, os problemas e as potencialidades do ChatGPT para usá-lo adequadamente no contexto da educação para começarmos a criar serviços, processar dados e trabalhar com inteligência artificial para apoiar pais, professores, alunos e gestores educacionais para conseguirmos viver bem na sociedade do conhecimento”, afirmou.

 

Modelo generativo

Lançado em novembro de 2022 pela startup OpenIA, o ChatGPT é uma tecnologia de modelagem de língua baseada em algoritmos de redes neurais artificiais profundas – modelos que tentam simular o comportamento do cérebro humano, com unidades de processamento interconectadas em várias camadas, da mesma forma que os neurônios se conectam por sinapses para aprendermos algo.

O aprendizado por essas redes neurais foi facilitado e impulsionado nos últimos anos com o surgimento de uma técnica de processamento de linguagem natural chamada word embeddings, que permite representar numericamente as palavras, explica à Agência FAPESPThiago Alexandre Salgueiro Pardo, professor do ICMC-USP e um dos pesquisadores principais do Centro de Inteligência Artificial (C4AI).

O C4AI é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela FAPESP e a IBM na Universidade de São Paulo (USP).

“As redes neurais gostam de trabalhar com números. Se dermos uma palavra simbólica, escrita por extenso, elas não sabem muito bem o que fazer com isso. Mas se a palavra for transformada em número elas conseguem processar isso muito bem. E ao transformar palavras em números é possível realizar operações matemáticas sobre elas”, diz Pardo.

“Isso causou uma revolução. Todos os sistemas de processamento de linguagem natural melhoraram por causa da representação numérica de texto”, complementa o pesquisador.

Outra revolução recente no campo do processamento de linguagem natural foi o desenvolvimento de um novo tipo de rede neural artificial, os chamados grandes modelos de linguagem (LLM).

Treinados em conjuntos de dados muito grandes, da ordem de bilhões de textos, esses modelos são capazes de deduzir a palavra que falta para completar uma determinada sentença.

Um dos grandes modelos de linguagem que revolucionaram a área foi o Bert, lançado em 2018 pelo Google, baseado na representação numérica de um texto para prever as próximas palavras que estão faltando com base no trecho anterior. Já no final de 2020, a OpenIA lançou o GPT-3, que gera texto a partir de representações numéricas, dando origem aos chamados modelos generativos.

“Como um modelo generativo, o ChatGPT, que é, de fato, um sistema muito inovador, pode gerar informações corretas ou erradas, porque não tem um filtro”, pondera Fábio Cozman, professor da Escola Politécnica da USP e diretor do C4AI.

Além de produzir informações incorretas e desatualizadas, uma vez que a base de dados usada para treiná-lo vai até 2021, o ChatGPT também pode produzir e contribuir para difundir conteúdos danosos e inapropriados, estimular o plágio e outras infrações éticas, aponta Fernando Santos Osório, professor do ICMC-USP e membro do comitê gestor do C4AI.

“O ChatGPT é uma ótima ferramenta do ponto de vista linguístico, mas peca muito em relação a sistemas de representação de conhecimento e apresenta alguns problemas muito sérios que têm de ser discutidos”, avalia Osório.

“O Google também pode fornecer informações incorretas, perigosas e desatualizadas, mas aponta quais as fontes, a reputação delas e permite que o usuário possa avaliá-las e fazer fact-checking. O ChatGPT não”, compara.

 

Processamento de linguagem natural em português

A fim de possibilitar o treinamento de modelos de linguagem semelhantes ao GPT-3 e elevar o nível de desempenho no processamento computacional de linguagem natural em português do Brasil, os pesquisadores vinculados ao C4AI desenvolveram e disponibilizaram nos últimos dois anos grandes conjuntos de dados.

Os datasets contêm textos de fontes diversas, minuciosamente anotados por estudantes de linguística, bem como gravações da língua portuguesa de diversas regiões do Brasil.

Um dos conjuntos de dados, batizado de CORAA, contém mais de 260 horas de gravações de falas transcritas em língua portuguesa, de diversas regiões do Brasil, provenientes de quatro conjuntos de dados preexistentes – agora auditados pelos alunos da universidade. A multidiversidade do conteúdo disponibilizado pelo CORAA oferece, por exemplo, maior diversidade regional na criação de futuros aplicativos de conversação, respeitando sotaques, culturas e costumes locais. O objetivo é chegar a 600 horas de gravação na próxima versão.

Um segundo conjunto de dados, nomeado Carolina, contém informações sobre mais de 600 milhões de palavras e termos em português, anotados por tipologia e origem, oferecendo um amplo leque de detalhes sobre a etimologia para o treinamento de grandes modelos de processamento de linguagem natural.

“Esses conjuntos de dados em português são públicos e estão disponíveis para qualquer interessado, como universidades, empresas e startups”, disse Claudio Pinhanez, gerente de pesquisa em Inteligência Conversacional da IBM Research Brasil e vice-diretor do C4AI, em um evento realizado em fevereiro no Inovabra, em São Paulo.

“Ninguém vai investir em processamento de linguagem natural em português se não for o Brasil. Temos de ter o mesmo tipo de infraestrutura em inteligência artificial existente em países como os Estados Unidos e a China para podermos fazer processamento de fala, jurídico e de notícias em português, entre outras diversas aplicações”, afirmou.

Os pesquisadores do Centro iniciaram em 2022 um projeto voltado a empregar técnicas ultramodernas de inteligência artificial para auxiliar no processamento de línguas indígenas.

“Estamos estabelecendo agora parcerias com algumas comunidades indígenas em São Paulo, principalmente da etnia guarani, que é a língua indígena mais falada na região. Mas pretendemos futuramente expandir para outras etnias da Amazônia”, disse Pinhanez.
 

 

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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